A ética da informação e os dilemas do dia a dia

27/09/2010 14:48

Sirleide Pereira*

 

A invasão da privacidade individual, a falta de acesso à tecnologia da informação, a ausência de vozes das classes desfavorecidas na mídia, assim como a fome, violência urbana, falta de água potável para beber, sub e desnutrição, o desmatamento desenfreado, a produção exclusiva para acumulação de capital, ondas de desemprego em massa, a exclusão social e o lixo atômico e eletrônico dizem respeito diretamente a um assunto que entrou na agenda das grandes nações no final do século XX: a sustentabilidade do planeta e a qualidade de vida das pessoas. Como se vê, são problemas recorrentes no dia a dia da humanidade, independente do grau de desenvolvimento dos países em que ocorra, políticas governamentais e pauta nos meios de comunicação de massa. Esses são considerados por estudiosos da Filosofia e da Ciência da Informação e de outras áreas do conhecimento “profundos dilemas morais da humanidade”. Tais dilemas motivaram o encontro de grandes pensadores nacionais e estrangeiros da Ciência da Informação a se reuniram pela primeira vez, no Brasil, em março último, na cidade de João Pessoa, em torno de uma discussão que ainda vai dar muito o que falar daqui por diante: a ética da informação.

Pensadores como Rafael Capurro, do International Center for Information Ethics (ICIE) Distinguished Researcher in Information Ethics, Scholl of Infomation Studies, Univerity of Wisconsin-Milwaukee (USA), Armando Malheiro da Silva, da Universidade do Porto (Portugal), Maria Nélida González de Gómez (Argentina) e os brasileiros Lena Vânia Ribeiro Pinheiro, do IBICT, Diana Farjalla Correia Lima, da UNIRIO, Henriette Ferreira Gomes, da UFBA, Maria Eunice Quilici Gonzalez, Plácida L. V. A. da Costa Santos e Silvana Aparecida Borsetti Gregório Vidotti, da UNESP-Marília, abordaram a ética da informação a partir dos dilemas morais produzidos pela humanidade durante o I Seminário Brasileiro de Ética da Informação – I SBEI. Realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFPB, o evento contou com o apoio da CAPES e se tornou singular por dois motivos: reuniu teóricos da Alemanha, Estados Unidos, Uruguai, Portugal, Argentina e Brasil em volta de uma temática considerada erroneamente por muitos “abstrata” e ocorreu em uma região ainda emblemática no país - o nordeste brasileiro. Essa particularidade não foi casual. No semi-árido nordestino os grandes dilemas morais são ainda mais rudimentares, como o analfabetismo, a falta de acesso à qualquer informação, a exploração sexual infanto-juvenil, o trabalho infantil, o alto índice de DST, a falta de água potável para beber, só para citar alguns.

Por essa singularidade e ter uma amplitude multidisciplinar, o tema possibilitou aos 200 participantes – entre pesquisadores, professores, profissionais e estudantes - uma discussão teórica entre as correntes de pensamento que recorrem à metafísica para aprofundar a ética. E, também, por se tratar de um fato inédito no país, mas que segundo os idealizadores, como Manoel Capurro, será reproduzido em outros, como Estados Unidos e Europa. Em dois dias, o I SBEI permitiu uma ampla troca de experiências a partir de visões científicas que analisam a ética sob o viés da moral, dos valores, costumes, tradição e organização sócio-econômica, ou seja, do estado de direito e da ambiência cultural. Pesquisadores brasileiros da UFPB, do porte de Isa Maria Freire, Joana Coeli Ribeiro Garcia, Gustavo Henrique de Araújo Freire (da Ciência da Informação), Anna Thereza de Miranda Cordeiro Dürmaier (da Filosofia), Guilherme Athaíde Dias (da Informática) e Júlio Afonso Sá de Pinho Neto (da Comunicação) enriqueceram o debate, acrescentando situações concretas, como a vivência na docência, a experiência na produção de conhecimento, a orientação na pesquisa e o exercício da própria cidadania.

Afetada pela inovação tecnológica, a privacidade, por exemplo, virou produto de consumo na sociedade em rede e dilema sócio-cultural, enquanto o acesso limitado ou a não democratização da informação faz a sociedade informacional retroceder no tempo e reviver conflitos semelhantes aos da sociedade iletrada. Já os processos de mediação da informação, sejam eles por meios de comunicação de massa – via suportes impresso, eletrônico, de radiodifusão ou digital – interferem na ética da informação. E enquanto “profundos dilemas morais,” esses problemas clamam pelo olhar crítico da pesquisa e requerem a contribuição científica na busca de soluções. Ortodoxos ou vanguardistas, conferencistas e a maioria dos palestrantes desse simpósio concordaram que daqui em diante a Ciência da Informações e suas interfaces devem concentrar esforços nos estudos da ecologia das novas tecnologias. Ou seja, independente da teoria ou do método a que recorram, discípulos ou não de históricos da Ciência da Informação acabaram concordando com um dos grandes mentores dessa ciência contemporânea - o uruguaio Rafael Capurro, radicado há 40 anos na Alemanha e consagrado, também, na América, que proclamou na conferência de abertura: “[ ] quando há uma crise ou um problema social, recorre-se à ética”. “[ ] se um problema diz respeito à todos ou à maioria, à luz da filosofia é um problema ético”.

Considerando-se o conteúdo das conferências, painéis e palestras, preocupações dos participantes, nível das discussões e, sobretudo, compromissos dos estudiosos com a realização de novos eventos sobre a ética da informação, presume-se que o I SBEI trouxe grandes contribuições para a reflexão sobre a sociedade da informação. Dentre essas, a compreensão que os problemas éticos são concretos e fazem parte do dia a dia das pessoas; urge uma cultura de discussão sistemática sobre a ética a partir do enfoque multi e transdisciplinar não só no cenário brasileiro mas, também, de amplitude continental e globalizada; assim como o construto de princípios universais da ética passa, também, pela mediação da informação pelos meios de comunicação de massa, sejam quais forem os suportes. O evento também abriu novas perspectivas para o estudo da ética da informação, entre elas o dever de aprofundar uma visão da ética sob o ponto de vista dos processos de produção, armazenamento, tratamento, recuperação e disseminação da informação a partir de estudos epistemológicos da Ciência da Informação; os princípios universais da ética da informação devem ser os mesmos, porem discutidos em cada realidade. Ou seja, a conjuntura política, econômica, social e, principalmente, antropológica, de cada grupo social, nação e país fará leituras e aplicabilidades desses princípios e, talvez, uma perspectiva mais alentadora: num futuro próximo, haverá uma nova ordem mundial da ética da informação, a qual será praticada conforme a cultura, tradição, costumes, condições políticas e econômicas de cada grupo, povo, nação e país.

Enfim, o debate travado no I SBEI em João Pessoa, entre grandes pensadores da Ciência da Informação a respeito da ética nas grandes questões mundiais, como o futuro do planeta a partir da inovação tecnológica, desenvolvimento sustentável e qualidade de vida humana gerou uma expectativa no universo acadêmico de que a pesquisa e a ciência devem estar cada vez mais voltadas ou comprometidas com as soluções das questões mais corriqueiras do dia a dia das pessoas, por que essas é que são os grandes dilemas da humanidade: fome, lixo, qualidade de vida e preservação do planeta.

Atendendo a algumas das preocupações da área da informação, que é a documentação e acesso à informação, o I SBEI produziu vários artefatos ou suportes informacionais, como o E-Book (ISBN 978-85-7539-524-0) entregue aos participantes; o Relatório do evento, cujos anexos registram detalhes da realização e sinalizam propostas para novos eventos dessa natureza e a socialização de endereços de redes sociais, como a rede latino americana de ética da informação (https://www.redciberetica.org/), cuja finalidade é socializar e construir, em nível planetário, uma discussão profunda sobre a ética da informação.

 

*Mestranda do PPGCI-UFPB, desenvolvendo o projeto de pesquisa Editora Universitária da UFRN: meio século a serviço da difusão da informação científica e tecnológica no RN. Orientanda da profa. Dra. Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira.

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