Processos cognitivos na Sociedade Aprendente

22/09/2014 09:24

Edna Gusmão de Góes Brennand*

 

O desejo humano de criar objetos inteligentes pode ser observado desde a Antiguidade. Na mitologia grega (1300 a.C. e 1200 a.C.),  na Ilíada de Homero, onde Hefesto o deus do fogo, descreve suas assistentes de metal como douradas, com aparência jovial de mulheres vivas, que falam, são fortes e inteligentes em seus corações. No Egito Helênico (305 a 30 a.C), há escritos que fazem referência a aparelhos que falavam, gesticulavam e profetizavam. Muitos séculos mais tarde, Decartes (século XVII) se refere a passseios pelos jardins reais, onde viu máquinas com formatos de seres humanos que se moviam e faziam ruídos, mas, para o filósofo nenhuma máquina ou substância material seria capaz de pensar, pois o pensamento era domínio da alma humana dada por Deus (MCCORDUK, 1979).

Da mitologia grega e egípcia aos primeiros automatos exibidos na Académie Royale des Sciences na França, em 1738, foram diversas as especulações sobre a inteligência humana. Durante os séculos XVIII e XIX, a capacidade intelectual humana passa a ser interpretada a partir de modelos matemáticos e muitos experimentos mecânicos foram testados. O desenvolvimento das calculadoras automáticas permitiram demonstrar que tarefas intelectuais de natureza matemática e analítica poderiam ser realizadas por máquinas. O século XX traz avanços consideráveis nesse domínio. Desde a década de 1930, com Claude Shanon e a teoria matemática da informação, passando pela máquina de Alan Turing, em 1947, a teoria da linguagem de Chomsky, em 1956, muitos avanços foram assinalados sobre os impactos  da ciência nos processos cognitivos humanos.

As tentativas de entender a inteligência humana geraram diversas teorias de aprendizagem, das clássicas que afirmam que a inteligência é uma capacidade unitária de raciocínio lógico e que pode ser modelizável, às mais críticas — como os achados da biologia evolutiva, que consideram que a inteligência humana é uma evolução das espécies que antecederam os humanos. Mais recentemente, temos a Teoria das Inteligências Múltiplas, que afirma que a inteligência é um sistema simbólico transmitido culturalmente de geração à geração. Essa perspectiva considera que a inteligência é um mecanismo neural, geneticamente programado para ser acionado em função dos tipos de informação que o indivíduo tem acesso. Isso posto, a inteligência seria múltipla: linguística, musical, lógico-matemática, espacial, corporal sinestésica, intrapessoal, interpessoal (BRENNAND e BORGES 2010). Em pararalelo a esses estudos, a modelagem dos processos inteligentes através da  chamada inteligência artificial fez avançar as ciências cognitivas e a forma de pensar os processos de aprendizagem. Gardner (1998), seu principal expoente, chama atenção para o fato de ser fundamental, ao se falar em processos de aprendizagem,  reconhecer não ser mais possível pensá-los sem uma referência direta às tecnologias digitais e sua infuência  no intelecto humano.

Fontes diversas de evidências nos levam a pensar que o termo aprendizagem, conforme assevera Hugo Assmann (1998), deve ceder lugar ao termo aprendência, uma vez que a característica básica do nosso século é estarmos em permanente estado de “estar-em-processo-de-aprender”.  Vivemos na era das redes, onde nossas relações com o conhecimento são marcadas pela conectividade, hipertextualidade e transversalidade. Trata-se de uma Sociedade Aprendente (learning society), e nela a aprendizagem passa a ser o processo fundante da dinâmica econômico-social. Nossas capacidades cognitivas (sistemas cognitivos), ampliadas nas relações com as inteligências artificiais (agentes cognitivos), revitalizam o tecido social e metamorforseiam nossos potenciais de acesso e produção do conhecimento. Dessa forma, coloca-se cotidianamente a necessidade de unificar a instrução qualificada e a criatividade, uma vez que nossos sentidos passam a ser privilegiados na interlocução com o mundo, pois somos parte de sistemas aprendentes.

Nesse contexto, o conhecimento emerge não somente das instituições formadoras, mas de uma rede de saberes ou colégios invisíveis cujas características marcantes são os processos auto-organizativos, com envolvimento de múltiplos sujeitos e cuja consequência é um processo de conhecimento vivo e auto-referencial com plasticidade e flexibilidade. Nos campos semânticos, quem são esses sujeitos? Que tipo de conhecimento buscam? Quais são suas referências simbólicas? Quais são seus mundos de sentido? Existem, entre eles, linhas demarcatórias? Que tipos de trocas são possíveis?

Nesse bojo de indagações, justifica-se a importância de investigar a emergência de processos de gestão aprendente como um novo campo de pesquisa, que pode propiciar  uma aproximação de áreas como a Administração, as Ciências Cognitivas, a Ciência da Informação, a Informática e a Educação. Nesse sentido, a aprendizagem humana  deve ser o ponto de convergência na busca de soluções para problemas do cotidiano de empresas, instiutuições educacionais e  sociedade.

Estamos lidando, nesse contexto, com novas ecologias cognitivas que propiciam experiências de aprendizagem diversificadas. Enquanto pesquisadores, precisamos estar estarmos atentos à busca de respostas aos desafios colocados pela descoberta de novos caminhos para aceder a novos conhecimentos, uma vez que não podemos separar processos de vida e processos de aprendizagem.

 

Referências

ASSMANN, H. Reencantar e Educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998.

BRENNAND, Edna Gusmão de Góes; BORGES, Leônidas Leão. Inteligências múltiplas em ambientes virtuais de aprendizagem: um estudo de objetos de aprendizagem com autoria de crianças. Ciências e Cognição / Science and Cognition, [S.l.], v. 15, n. 3, dez. 2010.

MCCORDUK, Pamela. Máquinas que piensan. Una incursión personal en la historia y las perspectivas de la inteligencia artificial. Madrid: Tecnos, 1991.

GARDNER, H. Inteligência: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Artes Médicas,  1998.

 

Nota: Editorial publicado na revista Informação&Sociedade: Estudos, v.24, n.1, 2014. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/mpgoa/article/view/18158/10274.

 

* Docente permanente do Mestrado Profissional Gestão em Organizações Aprendentes.

 

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